É preciso fechar a boca do Jacaré

Como diminuir o Gap entre o avanço tecnológico e desenvolvimento social com as Redes de Inteligência Coletiva.

Ao olharmos a produção científica e os avanços tecnológicos dos nossos dias, é possível chegar a conclusão que o mundo nunca foi tão promissor! Para ficar apenas em alguns exemplos: o desenvolvimento de alimentos geneticamente resistentes proporciona safras mais abundantes; equipamentos médicos sofisticados possibilitam diagnósticos cada vez mais precoces, aumentando o sucesso dos tratamentos; a vida cotidiana com celular, forno de microondas, automóveis que rodam com energia limpa etc. torna nosso dia a dia bem mais confortável do que o dos nossos antepassados, que há menos de 200 anos (o que não é nada para a escala da evolução…) ainda dependiam de cartas que demoravam semanas para chegar, alimentavam-se do que era possível plantar ou criar e viam uma simples gripe como ameaça mortal à saúde. 

Por outro lado, o sucesso dessa escalada da tecnologia e suas possibilidades parece não se refletir em um aumento da satisfação do homem com a realidade que o cerca, ou consigo mesmo. Nossa organização social continua substancialmente a mesma, aprofundando desigualdades socioeconômicas, polarizações, escassez e pouca capacidade de convivência com quem pensa diferente de nós. O gap entre desenvolvimento tecnológico e desenvolvimento social só aumenta, e pode ser representado no gráfico “boca de jacaré” – é a imagem do post!

O que podemos imaginar de um futuro próximo? 

Uma das grandes questões que tem preocupado cientistas e filósofos é a irreversível escalada da automação e da inteligência social. Tarefas cada vez mais complexas poderão ser realizadas – e até mesmo melhoradas – sem depender da ação humana. Como ficarão nossos empregos? De onde virá o sustento das pessoas? O que vamos fazer com nosso tempo livre, já que provavelmente trabalharemos muito menos?

Eu vejo dois cenários igualmente possíveis. No primeiro, que chamarei de “mais do mesmo”, as coisas continuam como estão e o abismo entre ciência/tecnologia e humanismo se aprofunda. É um retrato do momento atual, em que os avanços tecnológicos não parecem se refletir em aumento dos índices de satisfação com a vida, diminuição do estresse e da ansiedade, ou mesmo em pessoas mais tranquilas e felizes.

O segundo cenário certamente dará um pouco mais de trabalho, mas abre perspectivas mais interessantes. Chamarei ele de “sociedade em redes de inteligência coletiva”. Quando penso neste cenário, tenho em mente a proposição de Peter Diamandis e Steven Kotler no livro “Abundância – O futuro é melhor do que você imagina”. Os autores apontam que o progresso nas áreas de inteligência artificial, robótica, manufatura digital, nanomateriais, biologia sintética e muitas outras tecnologias de crescimento exponencial permitirão que tenhamos, nas próximas duas décadas, ganhos maiores que os dos dois últimos séculos.

Associo este pensamento ao alerta de Yuval Harari em seu livro “Homo Deus”: nosso desafio é fazer com que todos os benefícios deste progresso sejam acessíveis a todas as pessoas.

Mas como caminhar nesta direção? 

Penso que a possível resposta esteja na criação de RICas, as Redes de Inteligência Coletiva. Grupos estabelecidos em que todos se conectam e juntos desenvolvem seu melhor potencial individual e coletivo. Uma RICa pode ser uma turma escolar, uma família, uma empresa. Neste ambiente seguro e acolhedor, em que todos compartilham da mesma linguagem (e por isso todos se entendem) a insegurança diminui, vergonha e medo são diluídos, a ansiedade e estresse dão lugar a atitudes mais propositivas, corajosas e planejadas, o que tem a propensão de gerar abundância para todos. Cada pessoa acabará participando de diversas RICas (na escola, no trabalho, em casa, no condomínio…) transferindo sabedoria coletiva e estabelecendo um tecido social muito mais igualitário. Os grandes desafios que temos são coletivos (ecologia, fome, guerras) e enfrentá-los coletivamente me parece ser a única maneira.

Não vejo outro caminho senão fechar a boca do jacaré, aproveitando a “rampa ascendente” da tecnologia para elevar o vetor do humanismo. Este é o futuro que nos espera, desde que desejemos escrevê-lo.